Cerca de quarenta anos após o primeiro uso do termo “heavy metal“, chegamos a um ponto onde não só existem imensos festivais de tamanho considerável, como também existem milhares de bandas dedicadas a este género musical, algumas sendo bastante famosas. Com uma fanbase na casa dos milhões e um alcance geográfico impressionante, este fenómeno cultural massivo fez mais do que manter-se à tona no mar da relevância social, através de um crescimento contínuo de ritmo impressionante. Um dos maiores catalisadores deste crescimento exponencial é, sem dúvida, o factor inovação.
O metal é um dos géneros musicais contemporâneos com maior grau de diversidade, abrangendo um espectro massivo de sonoridades distintas. Apesar de não ser grande fã da catalogação excessiva no que toca a subgéneros, seria infantil não reconhecer que a música extrema é um conceito que está em constante mutação. Um dos alimentos principais deste titã é o experimentalismo levado a cabo por várias bandas emergentes, bem como por bandas mais antigas que audaciosamente decidiram renovar o seu som.
Eu sei que para alguns é difícil aceitar o facto de o metalcore e o nu-metal terem ajudado a elevar tudo isto, mas a verdade não deve nada aos vossos sentimentos.
Estes senhores e senhoras cuja inventividade é comparável apenas ao seu gosto por música agressiva são, discutivelmente, aqueles que mais contribuem activamente para a esta tapeçaria sonora rica e fluída, sendo graças a eles que as nossas necessidades musicais colectivas são constantemente realizadas.

Apesar da animosidade de alguns face ao que é novo, a inovação constante é um dos factores principais que ajudaram a música extrema a chegar onde está. A equação é relativamente simples, não é preciso tirar um curso: mais diversidade é igual a mais bandas e mais fãs, que por sua vez acabam por entrar em contacto com outras bandas e sonoridades, criando uma fanbase sólida em constante crescimento, eventualmente originando um nível de procura que teve como oferta a quantidade imensa de bandas no activo, bem como imensos festivais e eventos – alguns deles de tamanho considerável como o Wacken ou Hellfest -, circuitos underground muito activos e dinâmicos, gerando constantes saídas e reentradas no mainstream. Eu sei que para alguns é difícil aceitar o facto de o metalcore e o nu-metal terem ajudado a elevar tudo isto, mas a verdade não deve nada aos vossos sentimentos.
Dificuldades e riscos inerentes à inovação
É extremamente fácil recorrer à simplicidade de pegar numa guitarra, aprender os básicos e proceder a simplesmente copiar algo que já existe (ou existiu). Em relação a bandas que tentam desbravar caminho, as bandas pouco ou nada originais sofrem consideravelmente menos transtorno – já têm noção de quem é o seu público alvo e já sabem como se apresentar visualmente em questões de design gráfico e fotografia, bem como na sua apresentação e postura de palco.
é indiscutível que inovar é consideravelmente mais complicado e exige mais criatividade do que simplesmente imitar
As bandas que imitam sem grande esforço de inovação servem como autênticos manuais de instruções que aliviam os músicos do fardo de arriscarem a exposição ao ridículo. Tudo (ou quase tudo) que fazem, fazem-no com a certeza de resultar a algum nível, sendo, no máximo, acusados de falta de originalidade – algo que podem sempre contrariar com o argumento de “serem fiéis às raízes” ou alguma desculpa esfarrapada do género.

Não digo que este tipo de músicos deva desaparecer da face da Terra, considerando que há espaço para todos e cada um encara a arte à sua maneira. No entanto, é indiscutível que inovar é consideravelmente mais complicado e exige mais criatividade do que simplesmente imitar. Além disso, é possível que a inovação deixe marcas bem mas duradouras: bandas grandes como Black Sabbath, Iron Maiden e Metallica chegaram ao cume da popularidade parcialmente devido a terem trazido algo de novo à mesa na altura em que surgiram – mesmo que tal não seja necessariamente verdade no caso dos seus últimos trabalhos. No entanto, essa mesma criatividade está igualmente (ou talvez mais) presente em projectos menos mainstream, como é o caso de bandas como Code Orange, Bolzer, Baroness e até os nossos Sinistro.
Controvérsia e publicidade à borla
Nos dias que correm, ainda existem casos onde a banda dita “original” chega a um público maior apenas por alterar alguns trejeitos que são essencialmente vacas sagradas de alguns subgéneros de metal, irritando os fãs mais conservadores. Quer sejam casos isolados ou situações mais abrangentes – como a ascenção do nu-metal e dos géneros de core à popularidade imensa que possuem hoje em dia – o próprio acto de fazer algo diferente pode dar origem a uma das melhores máquinas de publicidade de sempre a nível de relação qualidade/preço – trves amuados.
Onde há conformismo, perde-se a revolta contra ideias pré-estabelecidas, e, consequentemente, não há inovação.
A arte funciona num paradigma quase newtoniano – se para cada acção há uma reacção, para cada movimento artístico há um designado a opor-se ao mesmo. Juntar isto ao conceito de “não existe publicidade negativa” resulta em fenómenos de bandas e até géneros musicais inteiros a chegaram ao reconhecimento internacional tanto graças aos seus fãs como aos seus haters.

A controvérsia e a oposição são necessárias para manter a dinâmica, e, por associação, manter o género vivo. Se todos gostarmos do mesmo e concordarmos em tudo, não acompanhamos o progresso inexorável do tempo. Onde há conformismo, perde-se a revolta contra ideias pré-estabelecidas, e, consequentemente, não há inovação. Um género musical que sofre desses males torna-se eventualmente numa paródia de si próprio, e eu próprio já sinto isto ao ver e ouvir algumas bandas supostamente sérias que, por louvarem demasiado os anos 80, são pouco mais do que paródias acidentais. Por estas e outras razões, as bandas de metal devem continuar a agitar as águas dentro e fora do seu microcosmos musical – é o que somos, e é o que fazemos.
Adaptar ou morrer
Os tempos e as mentalidades mudam, e apesar do meme “a boa música é intemporal” ser cuspido constantemente (porque é verdade), convém não esquecer o facto de ser provavelmente impossível um género musical manter-se relevante sem inovar, diversificar e adaptar-se aos tempos. A inovação e consequente renovação do plantel de grandes nomes, ironicamente, é o caminho que auxilia a evitar que os grandes clássicos sejam esquecidos. Quantos da minha geração não começaram a ouvir música extrema graças a bandas como Slipknot, Avenged Sevenfold ou System Of A Down, sendo que esse gosto adquirido os impeliu a descobrir bandas clássicas como Death, Judas Priest ou Celtic Frost? Certamente, muitos apreciam de fazer de conta que aos onze anos já queimavam igrejas com o Varg – porque o metaleiro também também tem a sua própria noção de street cred – mas a verdade é que nem todos começam pelo extremo, e isso não tem mal nenhum.
que fique presente o conceito de darwinismo musical – adaptar ou morrer.
Agora que afugentei os mais puristas com lógica e factos, surge a velha questão: queremos que o metal seja mainstream, ou que continue um fenómeno de nicho? Até desenvolvia mais essa questão, mas a verdade é que basta olhar em volta: vivemos num país minúsculo, no entanto, há eventos de música extrema para todos os gostos e mais alguns, bem como fãs e infraestrutura para os suportar – se crescimento é sinónimo disso, por mim tudo bem. Se um dia a estrutura ficar demasiado grande e colapsar sob o seu próprio peso (como já aconteceu), nada temam: os inovadores do futuro cá estarão para comandar o processo de reconstrução, e o ciclo irá renovar-se. Até lá, que fique presente o conceito de darwinismo musical – adaptar ou morrer. Não sei quanto a vocês, mas adaptação soa-me muito melhor!
P.s.: Deixo convosco uma playlist do Spotify onde estão reunidas aquelas que para mim são algumas das sonoridades actuais mais inovadoras dentro do metal, incluindo algumas faladas neste artigo. Divirtam-se!
O espaço de crónica na MOSHER TV é da inteira responsabilidade dos seus autores, a quem agradecemos a colaboração.